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quinta-feira, 3 de março de 2011

Ginecologista do século XIX

Ser médico ginecologista no século XIX (no Brasil), não era fácil. Um dos mais sérios obstáculos à realização de um exame completo em pacientes era o acesso ao corpo das mulheres, protegido pelas normas de pudor, religião e decência implantadas crescentemente pela sociedade.

O corpo da mulher era  até então pouco explorado pelos homens, já que cabia às parteiras os prognósticos às cegas no período do pré-natal e o parto. Mais havia situações complicadíssimas onde era necessária a intervenção profissional ou a paciente viria a óbito. A introdução do médico no cuidado à saúde feminina representou, entre outras coisas, a presença de um homem, diferente dos familiares com atribuições de tocar o corpo das mulheres, especialmente as partes consideradas íntimas.

Diante do risco de vida, o marido da enferma acionava o ginecologista que ao chegar à residência e adentrar no quarto do casal, já despertava de maneira disfarçada um ciúme muçulmano, com maneiras gentis. Entretanto, era o marido que fazia o toque nas partes íntimas da esposa por baixo da roupa sob a orientação constrangida do clínico, caso a enferma acusasse dor, ele balançava a cabeça para o desconfiado marido e em seguida receitava o medicamento.

Nos consultórios ginecológicos, as esposas iam sempre acompanhados dos maridos que ficavam na antessala ou entravam juntamente com elas. Até que se instalasse a cumplicidade entre o médico e a mulher, foram usados vários artifícios, como o manequim ou a boneca, nos quais as pacientes apontavam o local da dor ou do incômodo, para evitar apalpações consideradas desnecessárias.

 A mais antiga referência do uso da boneca como intermediária de consulta surge na antiguidade chinesa, cerca de 2.500 anos antes de Cristo, quando uma estatueta de marfim para diagnóstico era levada pelas mulheres ao médico.

Os manuais de medicina do século XIX, orientavam sobre as posições dos clínicos e das pacientes durante uma consulta.



Enquanto a mulher ficava de pé, e olhando para o lado, o clínico se ajoelhava e examinava a paciente introduzindo- lhe a mão por debaixo da saia. A apalpação era feita às cegas, pois o ginecologista não podia observar o local examinado. Para o parto feito por parteiro, foi muito disseminado a “posição inglesa”, com a paciente deitada de lado e o médico às suas costas. Levantava-se a perna da mulher e retirava-se a criança, de modo que parteiro e parturiente não se olhassem. Olhar nos olhos da paciente significava grande intimidade, o que não era recomendado.

Com tantas dificuldades de aproximação, para os problemas femininos mais frequentes existiam as parteiras, os chás e demais remédios caseiros, as rezas e benzeduras, o apelo aos santos, o repouso, os banhos e as dietas especiais.

O curioso de tudo que no início do século XX, com surgimento das ginecologistas femininas, muitas pacientes traziam relatórios escritos em papel almaço para os consultórios. A médica, a sós com sua paciente, funcionava como uma psicóloga cuidando não apenas do corpo, mas também ouvindo seus problemas pessoais, as pacientes esqueciam do horário da consulta passando até horas e causando insatisfação de pacientes que aguardavam lá fora.




(Revista Nossa História nº6/2004)

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